Quantos infartos um coração consegue suportar

Quantos infartos um coração consegue suportar?

 

A pergunta, embora pareça simples, não tem uma resposta única. Cada coração, organismo e circunstância são diferentes um do outro. Entretanto, a ocorrência de um infarto agudo do miocárdio ou ataque cardíaco é muito preocupante, ainda que nem sempre o evento seja fatal.

 

As estimativas apontam que aproximadamente 300 mil pessoas sofram infarto todos os anos no país, o que corresponde, em média, a cerca de um caso a cada dois minutos. De acordo com a Arpen Brasil (Associação de Registradores de Pessoas Naturais), em torno de 100 mil indivíduos perdem anualmente a vida em consequência do problema.

 

O fato é que o coração é um órgão notavelmente resiliente, mas sua capacidade de resistir a um ou múltiplos infartos muda significativamente entre indivíduos. A resposta depende de fatores como a extensão do dano causado, a rapidez em que o tratamento é iniciado e a saúde geral do paciente. Por isso, para entender o impacto desses eventos, é importante primeiro compreender o que acontece durante um ataque cardíaco.

 

O que é um infarto?

O infarto agudo do miocárdio ocorre quando uma ou mais artérias coronárias — responsáveis por irrigar o músculo cardíaco (miocárdio) — ficam parcial ou totalmente obstruídas. Esse bloqueio impede a chegada do sangue rico em oxigênio ao tecido, causando morte celular naquela região.

 

O tamanho da área afetada varia: pode ser um pequeno segmento ou uma porção extensa do coração. A principal causa desse evento é a doença arterial coronariana (DAC), que se caracteriza como consequência de uma aterosclerose. Isso quer dizer: pela formação e acúmulo de placas de gordura na parede das coronárias.

 

O primeiro infarto: possibilidade de recuperação

Muitas pessoas sobrevivem ao primeiro infarto e seguem a vida com qualidade, desde que façam acompanhamento médico e adotem hábitos saudáveis. Após o evento, o coração forma uma cicatriz fibrosa na área lesada. Essa região perde a capacidade de se contrair e vira uma espécie de “ponto morto”.

 

Em resumo, quanto maior a área de músculo afetada, menor será a capacidade de contração e bombeamento do órgão. Se o infarto for pequeno e tratado rapidamente (com a revascularização precoce), o dano pode ser limitado, com pouco ou até nenhum impacto funcional imediato.

 

Ainda assim, o risco de novas obstruções persiste. Por isso, é importante destacar que mesmo os ataques cardíacos considerados leves são capazes de provocar problemas e disfunções no sistema cardiovascular nos anos subsequentes.

 

Múltiplos infartos e a possibilidade de problemas progressivos

Quando ocorrem episódios recorrentes, há um efeito cumulativo. Com cada novo infarto, mais áreas do miocárdio são substituídas por tecido cicatricial, o que compromete progressivamente a capacidade do coração bombear sangue de forma eficiente. Além disso, essas cicatrizes interferem na condução elétrica do órgão, aumentando o risco de arritmias potencialmente graves.

 

Há também uma série de outras possíveis sequelas, entre elas a ruptura da parede do miocárdio, um evento extremamente grave e muitas vezes fatal; a disfunção de válvulas cardíacas, que compromete ainda mais a circulação; e a formação de trombos dentro do ventrículo, o que pode levar a embolias.

 

Ao longo do tempo, os danos podem levar ao desenvolvimento de insuficiência cardíaca. Nessa condição, o coração não consegue bombear o sangue de modo eficaz para atender às necessidades do corpo. Como consequência, o organismo tende a reter líquidos, provocando inchaços (edema), e a pessoa pode apresentar crises de falta de ar, tanto durante esforços como, em quadros mais graves, mesmo em repouso.

 

Portanto, cada novo infarto eleva as chances de complicações graves. Em alguns casos, um segundo ou terceiro ataque cardíaco é fatal, especialmente quando a área afetada é mais extensa ou quando há demora no atendimento médico adequado. Diante de todos esses riscos, a prevenção de um novo ataque se torna uma prioridade absoluta desde o primeiro episódio.

 

Quais as chances de um novo infarto acontecer?

Repetições de um infarto não são regra ou maioria entre os pacientes, porém, quanto mais recorrências, maior a chance de acontecer novamente. Pesquisas apontam que após um ataque cardíaco, um paciente tem risco 20% maior de sofrer outro dentro de cinco anos, se comparado com alguém que nunca enfrentou a condição.

 

Como vimos, primeiro em razão de o sistema cardiovascular já estar comprometido. Depois porque é possível que os mesmos fatores que o provocaram ainda estejam presentes e possam novamente desencadear o problema.

 

Fatores determinantes

A probabilidade de um novo infarto ou outro evento cardiovascular varia de acordo com inúmeros fatores. Entre eles, alguns modificáveis, isto é, que podem ser controlados, como: tabagismo, consumo de álcool, controle do peso, sedentarismo, estresse e saúde mental, alimentação, qualidade do sono, monitoramento das taxas de colesterol, pressão arterial e diabetes e a adesão ao tratamento recomendado.

 

Entretanto, há aspectos a serem considerados na reincidência que não são passíveis de controle por parte do paciente. Aqui podemos listar, por exemplo: idade, sexo, histórico familiar e predisposição genética, número e tipo de eventos cardiovasculares anteriores, resposta do organismo ao tratamento e a capacidade de bombeamento restante do coração – o que envolve o quanto o músculo cardíaco foi afetado, quais artérias estão envolvidas, onde ocorreu o bloqueio e quanto tempo passou até a revascularização.

 

Portanto, não há um número exato de infartos que um coração consegue suportar. Tecnicamente, o órgão pode sobreviver a mais de um evento. Entretanto, um único infarto extenso pode ser fatal. Por outro lado, algumas pessoas sobrevivem a múltiplos infartos pequenos, com impacto funcional moderado.

 

Ou seja, a quantidade não é o maior problema. São os danos de cada um que vão determinar a recuperação e a qualidade dos anos seguintes bem como a resistência desse órgão a novos contratempos. Um infarto grave é muito mais preocupante e ameaçador do que vários que não resultaram em lesões significativas.

 

Um agravante: a falta de sinais

O fato é que nem todo infarto é perceptível, aumentando a probabilidade da busca por atendimento médico demorar ou de o ataque ser fulminante. É possível que a DAC se desenvolva ao longo de anos de forma progressiva e sem sinais claros. As estatísticas apontam que um em cada cinco casos ocorra de forma silenciosa. Há até quem descubra um infarto apenas com a realização de exames após o evento ter ocorrido.

 

De maneira geral, obstruções de mais de 70% nas coronárias têm como principal indício a dor no peito (angina), entretanto, ela não é a única manifestação quando há sintomas. Outros possíveis sinais são: tontura, desmaio, palpitação, fadiga, transpiração intensa, náusea, vômito, dormência e sensação de formigamento, falta de ar ou dores abdominais, nos ombros, braços, mandíbula ou nas costas.

 

A idade interfere na gravidade do problema?

Há quem diga que um ataque cardíaco em jovens costuma ser mais grave e letal do que em indivíduos mais velhos. A explicação comum é que, com o tempo, o coração se adapta melhor e desenvolve mecanismos de proteção contra novas obstruções. Esse argumento, porém, não é unânime entre especialistas.

 

A principal discussão envolve a chamada circulação colateral, que consiste em pequenos vasos sanguíneos que podem se formar ao redor do coração ao longo dos anos ou após um infarto anterior. Essa rede funcionaria como rota alternativa para manter a irrigação do músculo cardíaco se alguma artéria voltar a entupir. Assim, ainda que os jovens sejam fisicamente mais resistentes, acredita-se que, nos idosos, o quadro poderia evoluir de forma mais branda devido a essa compensação.

 

Contudo, estudos recentes apontam que a circulação colateral pode não depender da idade, mas sim de fatores genéticos que determinam se ela vai se desenvolver em maior ou menor grau. Por isso, não há um consenso sobre a questão.

 

Prevenção e cuidados

Um infarto é um evento sério, que muda a vida. Sua ocorrência é um sinal de alerta. Os cuidados com fatores de risco devem assumir um novo significado. Assim, a reabilitação cardíaca e a prevenção secundária são extremamente importantes não só na recuperação, mas para evitar que novos eventos e complicações aconteçam.

 

Isso inclui um conjunto de medidas e recomendações médicas com pontos que provocaram o problema ou para administrar as consequências. Os pacientes devem ainda compreender que a rotina e talvez até a qualidade de vida seja diferente por um tempo.

 

Muitas vezes atividades simples se tornam exaustivas. É fundamental dar ao corpo o período necessário para recuperação. O coração precisa, geralmente, de três meses para se reestabelecer – para algumas pessoas isso pode levar mais tempo.