A dengue e a saúde cardiovascular

Entenda como a doença pode afetar o seu coração

 

A dengue segue batendo recordes e trazendo preocupação aos brasileiros: segundo dados do Painel de Arboviroses do Ministério da Saúde, já são mais de 1,8 milhão de casos – prováveis e confirmados – em 2024 (dados atualizados na segunda-feira, dia 18.03). Esse é de longe o maior número registrado desde o início da série histórica, em 2000.

 

Se os números por si só acendem o sinal de alerta, as consequências devem ser tidas como um motivo extra para os cuidados e medidas de prevenção. Isso porque os reflexos da dengue podem provocar problemas em alguns órgãos ou ainda motivar a descompensação de doenças, especialmente cardíacas, pulmonares, renais e hepáticas. Efeitos que costumam aparecer até três meses após a contaminação.

 

Principais sintomas

Transmitida pela picada de mosquitos Aedes Aegypti infectados, a dengue, para grande parte das pessoas, ocorre de forma assintomática ou por meio de sintomas leves e semelhantes aos da gripe, como febre, mal-estar, dores de cabeça e musculares. Os primeiros indícios aparecem de quatro a dez dias depois da picada (período de incubação).

 

Outros sinais comuns são: náuseas, vômitos, fraqueza, manchas ou lesões avermelhadas na pele e nas mucosas e dores pelo corpo (geralmente atrás dos olhos, nas articulações ou nos ossos). Contudo, para uma parcela dos afetados, ainda que seja a minoria, a dengue se manifesta em sua forma mais grave – e são esses os quadros que merecem atenção redobrada.

 

Sinal de alerta

A doença nesses estágios mais sérios se caracteriza por uma alteração importante na permeabilidade capilar e a um vazamento capilar significativo de plasma para espaços extra vasculares (fora dos vasos sanguíneos). De forma simplificada: o vírus provoca um processo inflamatório na parede interna dos capilares (endotélio), fazendo com que suas células se afastem e abram espaço para a passagem da parte líquida do sangue, o plasma.

 

Processo que pode evoluir para o que chamamos de choque (ou síndrome do choque), acúmulo de fluido nos pulmões e dificuldade respiratória, sangramento grave e o comprometimento de órgãos (como coração, rins e fígado), com consequências que incluem hepatite, disfunção neurológica, coagulopatia e complicações cardiovasculares.

 

Para entendermos melhor, a síndrome do choque surge por uma resposta imunológica exacerbada à infecção pelo vírus, o que leva, como visto, a uma série de alterações na permeabilidade vascular e na coagulação sanguínea, resultando em um choque circulatório, ou seja, o sistema circulatório não é capaz de fornecer oxigênio e nutrientes suficientes para os órgãos vitais, o que pode levar a insuficiência de múltiplos órgãos e até mesmo à morte.

 

Nos estágios iniciais da dengue esse extravasamento tende a regredir espontaneamente em 48 a 72 horas. Nas formas mais graves, entretanto, está associado a sangramento nas mucosas (nasais, vaginais ou nas gengivas, por exemplo), fadiga extrema ou letargia, dores abdominais intensas e persistentes, alteração da função hepática, aumento da concentração do sangue, queda do número de plaquetas e a ocorrência de complicações hemorrágicas (hemorragias podem ocorrer em várias partes do corpo).

 

Coração em risco

As questões cardiovasculares associadas a esse cenário incluem:

 

– Hipotensão: em situações de choque, a pressão arterial diminui devido à redução do volume sanguíneo circulante, o pulso fica mais rápido e fraco e a pele úmida e fria (tudo isso como resultado do esforço do corpo para compensar a queda do fluxo de sangue).

 

Miocardite: trata-se da inflamação do músculo cardíaco. Leva a sintomas como dores no peito, palpitações e insuficiência cardíaca. O aumento do risco de miocardite na dengue grave ocorre em decorrência da atividade excessiva do sistema imunológico.

 

Pericardite: inflamação do revestimento ao redor do coração, chamado pericárdio, que pode causar dor no peito e dificuldade respiratória.

 

– Arritmias: as arritmias, como taquicardia ou bradicardia, são a anormalidade mais comum encontrada no envolvimento cardíaco da dengue. Ocorre durante a fase febril ou no desenvolvimento da febre hemorrágica com vazamento de fluidos.

 

Antiagregantes e anticoagulantes

Certos pacientes com problemas crônicos, como aqueles com doenças cardíacas, tem mais um ponto de preocupação: os anticoagulantes e antiagregantes plaquetários, remédios de uso contínuo normalmente utilizados por cardiopatas, voltados a evitar a formação de coágulos. Como a patologia também compromete a coagulação do sangue, essas medicações podem agravar quadros da dengue, potencializando o risco de hemorragias provocadas pela infecção.

 

Por isso, em alguns casos, é recomendada a alteração ou interrupção desse tipo de medicamento – mesmo a aspirina pode ter a necessidade de seu uso interrompido. Essa decisão, entretanto, deverá ser tomada pelo cardiologista que acompanha o caso e depende de uma avaliação complexa e individual dos riscos e benefícios, seguindo uma série de protocolos recomendados para cada situação.

 

Mudanças na classificação

Vale destacar que no passado os casos de dengue eram classificados como dengue clássica, dengue hemorrágica e síndrome do choque da dengue.  A partir de 2009, a Organização Mundial da Saúde modificou essa classificação para dengue clássica, dengue com sinais de alerta e dengue grave – divisão que o Brasil passou a adotar oficialmente em janeiro de 2014.

 

O termo “dengue hemorrágica” deixou de ser usado para evitar confusão, uma vez que é possível ocorrer pequenos sangramentos até mesmo em casos considerados leves, e nem todos os casos críticos evoluem para hemorragias.

 

O que acontece se eu tiver dengue mais de uma vez?

De 60% a 80% das pessoas atingidas pela dengue permanecem assintomáticas ou com sintomas mínimos. Essas infecções, que parecem inofensivas num primeiro momento, no entanto, trazem riscos futuros: aumentam as chances de complicações no caso de uma nova infecção provocada por outro sorotipo, especialmente quando o intervalo entre os dois eventos é longo.

 

O fato é que até o momento são conhecidos quatro sorotipos causadores de dengue: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4, que apresentam distintos materiais genéticos (genótipos) e linhagens. Após a primeira infecção, os indivíduos desenvolvem anticorpos específicos voltados para o sorotipo infectante. Ao encontrar um sorotipo diferente durante uma infecção subsequente, esses anticorpos pré-existentes podem interagir com as novas partículas de vírus em um fenômeno chamado ADE – Antibody Dependent Enhancement (envolvimento dependente de anticorpos).

 

Durante o ADE, os anticorpos gerados contra o primeiro sorotipo se ligam às novas partículas do vírus, mas não conseguem neutralizá-las com eficácia. Em vez disso, os complexos vírus-anticorpo são absorvidos pelas células imunológicas, o que pode levar ao aumento da replicação viral. Esse processo potencializa a infecção, desencadeando uma resposta imunológica mais intensa, capaz de resultar em sintomas graves da dengue, como hemorragia, falência de órgãos e choque.

 

Tratamento

Do ponto de vista clínico, não é possível distinguir os pacientes que evoluirão para quadros mais sérios da dengue daqueles com a doença autolimitada. Além disso, é importante lembrar que a pessoa com dengue tem risco de avançar de um estágio a outro rapidamente. Por esse motivo, todos necessitam de acompanhamento e reavaliação frequente até a alta completa.

 

Porém, não há tratamento específico. A recomendação é ingerir bastante água e não tomar remédios por conta própria. A medicação usada, de modo geral, é apenas sintomática, com analgésicos e antitérmicos – sempre de acordo com avaliação de um profissional de saúde, conforme cada caso.

 

Em quadros mais graves, os pacientes normalmente são hospitalizados para tratamento de suporte, que pode incluir administração de fluidos intravenosos, transfusões de sangue, monitoramento da pressão arterial e função de órgãos, e cuidados intensivos.

 

Prevenir é a atitude mais eficiente!

A transmissão da doença é influenciada pelo clima, chuva, temperatura, urbanização e distribuição do principal mosquito vetor. A melhor forma combater a dengue é prevenção e o controle da proliferação do Aedes Aegypti, exterminando os focos de água que podem se tornar possíveis criadouros, além de tomar medidas para evitar a picada, como o uso de roupas protetoras, repelentes, telas e mosquiteiros.